Apreensão de bens e valores produtos do crime no processo penal (Perda Alargada)

Trata-se de medida ínsita na recente “Lei Anticrime”, que ordena a apreensão do patrimônio do condenado por infração à qual a lei comine pena máxima superior a seis anos de reclusão.

O novo texto de lei outorga ao juiz poder para condenar o réu a perder seus bens e valores, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

O criminalista Carlos Renato Santos, sócio do escritório Costa & Saldanha, apregoa que o novo instrumento criminal trazido pela Lei Anticrime deve ser aplicado com cautela, posto que altera o ônus probatório, obrigando o acusado ou terceiro a produzir provas contra si, no momento que precisa se defender acerca da origem dos seus bens.

Se aplicado sem os devidos cuidados afrontará o princípio da presunção de inocência, mandamento de grande valia nos direitos humanos.

Não obstante a controvérsia,  o art. 5º, XLVI, b, da Constituição Brasileira de 1988 assenta o perdimento de bens, sendo nomeado pela doutrina como “Confisco legal”. O ilustre penalista, Cezar Roberto Bitencout, rasgou críticas aos efeitos do novo apetrecho do Código Penal, chamando-o de “mais uma fonte de arrecadação”.

Com efeito, o tema da perda alargada diverge pelo teor do seu texto, contando inclusive com a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 6304, ajuizada pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), a qual discute diversos pontos do disposto.

A meta fulcral da inclusão da perda alargada era atingir organizações criminosas, apreendendo bens e valores produtos do crime; apunhalando-as na jugular.

Era o termo predileto do ex-ministro da justiça Sérgio Moro, que pretendia suprimir os lucros das organizações delituosas para diminuir o seu poderio no meio social.

No entanto, Alexandre Moraes da Rosa ressalta que a denúncia do Ministério Público deve apontar se o bem a ser apropriado pelo poder público é produto do fato típico da peça ministerial, ainda que de terceiro, fazendo citar, inclusive, o proprietário do bem, sob pena de violação ao devido processo legal.

No intuito de modernizar leis e ações contra o crime, em escala nacional e internacional, o Brasil seguiu exemplos já aplicados por outros países. Há previsões em diversas convenções, mormente na Diretiva 2014/42 da União Europeia:

Artigo 1: A criminalidade internacional organizada, incluindo organizações criminosas do tipo máfia, tem por principal objetivo o lucro. Por conseguinte, as autoridades competentes deverão dispor dos meios necessários para detetar, congelar, administrar e decidir a perda dos produtos do crime. Todavia, para prevenir eficazmente e combater a criminalidade organizada haverá que neutralizar os produtos do crime, alargando, em certos casos, as ações desenvolvidas a quaisquer bens que resultem de atividades de natureza criminosa.[1]

De ver que a Lei Anticrime seguiu à risca os verbos produzidos pela diretiva: detetar(sic), congelar, administrar, decidir e “alargar”.

No tocante ao quesito da administração dos bens, a Lei Anticrime de 2019 fez alterações no Código de Processo Penal para consentir a utilização dos bens produto do crime pela administração pública.

Diz o art. 133-A do diploma processual Penal que o juiz poderá autorizar, constatado o interesse público, a utilização de bem sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal, do sistema prisional, do sistema socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de suas atividades.

Outro ponto que merece destaque são as observações feitas por Alexandre Moraes da Rosa ao novo instituto. Aduz o nobre penalista que a perda alargada (ou confisco alargado) é um avanço conquanto se atenda aos preceitos do devido processo legal.

Nesta senda, deve-se constar expressamente na denúncia, a data do início da atividade delituosa, bem como os bens duvidosos. Isso porque o acusado poderá se defender das alegações disposta na peça acusatória, e a ausência desses pressupostos ensejará em nulidade do ato.

Caso os bens estejam em nomes de terceiros, estes deverão adentrar na lide para responder a denúncia, resguardado o direito do terceiro de boa-fé.

No arcabouço da perda alargada, o novo instituto, perigosamente, inseriu textos imprecisos, abrangendo demais e não se preocupando em delimitar ao prescrever no parágrafo primeiro do art. 91-A que todos os bens da titularidade do condenado poderiam ser perdidos.

É verdade que boa parte da sociedade anseia pelo direito penal GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Contudo, se não interpretado teleologicamente, criar-se-á tipo penal hostil aos direitos e garantias fundamentais.

Tal hostilidade ingressará na vida privada do agente, obrigando-o a apresentar dados sensíveis sobre sua vida, seu passado, sob o risco de ter seu sigilo fiscal revirado.

Vê-se ainda que o terceiro de boa-fé também será convidado a ter sua vida investigada, a fim de se provar a titularidade daquele bem na posse do réu, malgrado tenha seus direitos preservados, o dispositivo não assegurou de forma precisa o teor dessa salvaguarda.

Caberá aos magistrados darem a perfeita direção a esse novo tipo penal em branco que será aplicado sem limites, diferentemente da perda de bens e valores do art. 45, § 3º do Código Penal.


[1] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32014L0042

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